CINÉTICA E EQUILÍBRIO QUÍMICO, TRATAMENTO DE ÁGUA, FORMAÇÃO DO CIDADÃO

José de Alencar Simoni (PQ), Edvaldo Sabadini (PQ), Pedro Faria dos Santos Filho (PQ) e Matthieu Tubino (PQ)

Instituto de Química-Universidade Estadual de Campinas

Palavras chaves: Química, ensino, avaliação, vestibular, sociedade, cidadania

A principal função do ensino é preparar a infância e a mocidade para o exercício pleno da cidadania. Não se pode conceber uma verdadeira democracia numa sociedade onde os indivíduos não estejam preparados minimamente com conhecimentos fundamentais e que não tenham espírito crítico desenvolvido e disciplinado. Especificamente em Química é importante colaborar para a formação do cidadão dando-lhe condições para que possa interpretar e questionar, do ponto de vista químico, o mundo ao seu redor, o que lhe permitirá melhor contribuir para a sociedade em que vive. Deste ponto de vista, a formação em Química no ensino médio deve estar vinculada, necessariamente, ao enfoque de assuntos fundamentais da Ciência Química que estejam correlacionados ao dia a dia. Um dos aspectos mais significativos da Química, presente em nossa vida é o tratamento de água necessária para o uso das populações. Sem água não há vida. Sem, água potável não há vida digna... Entretanto, este assunto dificilmente é enfocado com a devida importância na escola. Inclusive, muitos textos do ensino médio sequer à ele fazem alusão. Muito timidamente o assunto é visto em livros do nível fundamental e, devido ao estágio de desenvolvimento da criança, não pode ser explorado na sua plenitude. Uma das grandes vantagens de se tratar este assunto, é a grande facilidade em se visitar uma estação de tratamento de água. Outra, é a facilidade em se conseguir material e introduzir a experimentação no assunto. O uso de reagentes baratos e de fácil manuseio, a ausência de resíduos perigosos ao final do processo favorece, também, a experimentação em aula. Além dos diversos aspectos fundamentais da Química que podem ser abordados é possível, ainda, aproveitar a grande interdisciplinaridade do tema, correlacionando-o com a Física, com a Biologia, com a Geografia, com a Matemática, com as Ciências Sociais, com a História etc. Todos estes aspectos fizeram com que a UNICAMP adotasse, na Primeira Fase do Vestibular-2000, o tema “Água”. O tratamento de água pode ser dividido essencialmente em duas etapas: o processo físico de separação e o processo químico de esterilização. O primeiro processo pode envolver, inicialmente, separações por filtração e depois floculação (precipitação) e sedimentação (decantação) de resíduos. A etapa seguinte trata da eliminação de germes patogênicos não separados nos processos físicos. De modo mais geral o processo químico envolve a eliminação de matéria orgânica dissolvida e a eliminação de micro-organismos prejudiciais ao ser humano. Para alcançar esta finalidade faz-se uso de um reagente como, por exemplo, o gás cloro. Na primeira fase do Vestibular-2000 da UNICAMP foram apresentadas questões que envolviam o tratamento químico da água. A seguir comentamos o desempenho dos candidatos: Por exemplo, o item a da primeira pergunta apresentava, como resposta certa: decantação ou sedimentação. Como era de se esperar, o índice de acerto foi grande mas surgiram muitas respostas que mostram um certo desvio no aprendizado e, portanto, no ensino. Assim, respostas como gravitação e destilação fracionada, além de outras, foram relativamente freqüentes. No item a da segunda questão o enunciado conduzia para a leitura simples de um gráfico que correlacionava concentrações de Cl2 , HClO e de ClO-, na solução, em função do pH, de onde devia ser obtida a resposta. A pré-concepção do efeito germicida atribuido ao cloro fez com que a grande maioria não utilizasse as informações fornecidas. O item c , da segunda questão, foi o mais surpreendente. A figura apresentada é “parecida” com às usadas no Ensino Médio, em estudos de equilíbrio em função do desenrolar de reações . Na figura o eixo das ordenadas (concentração) não possuía escala numérica e, muitos candidatos e algumas resoluções que apareceram na mídia mostraram deficiências bem claras de entendimento. A grande maioria tomou o eixo das abcissas (pH) como uma escala de tempo já que, desta forma, a figura apresentada transforma-se numa representação gráfica de um processo estudado cinéticamente. Assim, ao se tomar dois pontos do gráfico onde as “concentrações não variam” e, portanto a “reação atinge o equilíbrio” é possível estimar-se valores de concentração e calcular o valor da constante de equilíbrio. Note-se que no enunciado aparecem duas equações químicas de modo que quando o candidato “transforma” a escala de pH em tempo, cada equilíbrio é, para ele, automaticamente estabelecido em cada faixa do gráfico. Embora o item b da questão conduzisse o candidato a procurar valores de concentração, como estes não apareciam de forma numérica, a tendência natural foi atribuir em pH=8 valores de 1 ´ 10-8 para [ H+] , [HClO] e [ClO-]. Isto evidencia que o ensino de equilíbrio químico no nível médio é feito de maneira completamente desvinculada da experimentação. Também, nota-se que mesmo professores não fazem idéia clara da dinamicidade do equilíbrio químico. Algumas resoluções de candidatos e também das que apareceram na mídia contestaram, “como seria possível a água ter pH acima de 7” e que neste caso “seria necessário ter-se adicionado inicialmente alguma substância básica”. É preciso ficar claro que o ensino de Química não pode se restringir à simples apresentações de conhecimentos sem se levar em conta aspectos íntimos do mesmo. Nesta questão, ainda, não era desejo da banca examinadora que os candidatos atribuíssem valores arbitrários e aproximados para o eixo das ordenadas e com isso calculassem o valor da constante de equilíbrio. O que se buscava era uma verificar o entendimento de equilíbrio químico. A escolha de pH=8 onde as concentrações de HClO e ClO- são iguais é a chave da solução da questão. Acreditamos que uma apresentação de equilíbrio químico, como proposto pelo item c desta questão poderá eliminar muitas falhas conceituais no aprendizado deste assunto nas escolas. Acreditamos que a discussão de observações com esta podem prestar um bom serviço para a melhoria do ensino de Química e, portanto, para a formação do cidadão. Este cidadão precisa conhecer os fatos que o rodeiam, interpretá-los de maneira correta e inteligente, dar a devida atenção aos seus desdobramentos e saber opinar e propor soluções para os problemas decorrentes.