ESPÉCIES REATIVAS DE OXIGÊNIO FORMADAS DURANTE AUTOXIDAÇÃO DA AMINOACETONA:
CONEXÕES COM CRI-DU-CHAT E DIABETES
Fernando Dutra (PG), Fernanda S. Knudsen (PG) e Etelvino J.H. Bechara (PQ).
Departamento de Bioquímica, Instituto de Química, Universidade de São Paulo
Palavras chaves: aminoacetona, espécies reativas de oxigênio, diabetes.
INTRODUÇÃO:
Aminoacetona (AA) é um catabólito de Thr e Gly que se acumula nas síndromes Cri-du-chat e treoninemia. Hoje, a oxidação da aminoacetona é considerada uma das fontes alternativas de metilglioxal (MG), agente citotóxico e genotóxico, em diabetes mellitus. Em estados de deficiência nutricional (ex., diabetes) há acúmulo de AA que, por sua vez, sofre oxidação na presença de amino oxidases sensíveis à semicarbazida (SSAO) com a produção de MG, H2O2 e NH4+. As SSAO são enzimas Cu-dependentes, cujo mecanismo de atuação ainda é pouco conhecido e possui como substrato, além de AA, metilamina (endógena, importante na diabetes) e a benzilamina (xenobiótico). O MG formado está provavelmente implicado, juntamente com H2O2, na nefropatia, neuropatia e retinopatia, típicas da diabetes, resultantes do comprometimento da angiogênese naqueles tecidos.
Aminoacetona possui um amino grupo vicinal à uma carbonila, análogo ao ácido d-aminolevulínico (ALA), um precursor da porfirina e implicado em doenças porfíricas. Tal como o ALA, é esperado que AA sofra enolização e oxidação catalisada por metal, produzindo espécies reativas de oxigênio (EROs), inclusive radicais HO·. Foi demonstrado que estas EROs estão implicadas na etiologia de neuropatia e hepatomas características do acúmulo de ALA em pacientes de porfiria aguda intermitente (PAI) e saturnismo.
Objetivos:
Este trabalho tem por objetivo esclarecer o mecanismo pelo qual AA sofre oxidação aeróbica, direta e catalisada por metal, para produzir EROs. Foi dada ênfase à catalise por ferro por sua implicação em desordens associadas com diabetes e envelhecimento. Nossa hipótese é que a autoxidação da AA, além da reação catalisada por SSAO, pode contribuir significantemente para o aumento do estresse oxidativo na diabetes.
Métodos:
AA.HCl foi sintetizado pelo método de Hepworth1. O consumo de oxigênio por AA foi estudado na presença e na ausência de Fe2+, Fe3+ e Cu2+. MG foi derivatizado com 1,2-diaminobenzeno e analisado por HPLC/ diode array. Amônia foi detectada através de eletrodo seletivo. Os experimentos de detecção de radicais foram feitos utilizando a técnica de EPR-spin trapping (DMPO como captador) à temperatura ambiente. Liberação de ferro de ferritina foi acompanhada espectrofotometricamente pelo aumento na absorbância em 530 nm devido a quelação de Fe2+ por sulfonato de batofenantrolina.
Resultados:
Aminoacetona (1-7 mM) autoxida em tampão fosfato pH 7,4 pré-tratado com Chelex, em alguns minutos. MG, H2O2 e NH4+ foram detectados como produtos principais. Radicais superóxido propagam a reação, fato este demonstrado pela forte inibição da reação quando adicionada superóxido dismutase (SOD) (1-50 u/mL; em até 90%) ou semicarbazida (0,5-5 mM; em até 80%) e pelos experimentos de EPR-spin trapping que revelaram a formação do aduto DMPO-·OH. De encontro a estes fatos, o consumo de oxigênio é acelerado sinergisticamente após adição ao sistema de xantina/xantina oxidase (conhecida fonte de radicais superóxido). Quando estudada a catálise por ferro, SOD (50 u/mL) não aumentou a velocidade de reação e não afetou o espectro de EPR, o qual mostra, além do espectro do aduto DMPO-·OH, o signal de um radical centrado em carbono (enolil?). Foi observado também que AA promove a liberação de Fe2+ de ferritina, proteína estocadora de ferro em células, de forma dependente à sua concentração. Estes dados dão suporte à seguinte proposta de mecanismo de oxidação de AA:
Conclusões:
Propomos que AA livre, acumulada no sangue e outros tecidos de pacientes de diabetes, treoninemia e cri-du-chat, além de ser metabolizada pela SSAO, possa sofrer oxidação espontânea ou catalisada por metal com a produção de ERO, disparando um estresse oxidativo. AA revela-se como potencial agente de liberação de ferro de ferritina, o que pode ser relevante nas complicações típicas da diabetes, a qual é frequentemente associada à descarga biológica de ferro.
Bibliografia:
1- Hepworth, J.D.. Org. Synt. 5, 27 (1973). 2- Tressel, T.; Thompson, R.; Zieske, L.R.; Menendez, M.I.T.S. & Davis, L.; J. Biol. Chem. 261, 16428 (1986). 3- Lyles, G.A.; Int. J. Biochem. Cell Biol. 28, 259 (1996). 4- Hermes-Lima, M.; Valle, V.G.R.; Vercesi, A.E. & Bechara, E.J.H.; Biochim. Biophys. Acta 1056, 57 (1991). 5- Monteiro, H.P.; Abdalla, D.S.P.; Augusto, O. & Bechara, E.J.H.; Arch. Biochim. Biophys. 271, 206 (1989). 6- Kalapos, M.P.; Toxycol. Lett. 110, 145 (1999).
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